domingo, 25 de setembro de 2016

A Leitura Ativa - Como Ler Livros


 "Um bom livro recompensa aquele que tenta lê-lo. Os melhores livros oferecem as maiores recompensas. Naturalmente, há dois tipos de recompensa. Primeiro, há o aprimoramento de sua capacidade de leitura, que resulta de você ter enfrentado uma obra boa e difícil. Segundo - e isso, a longo prazo, é muito mais importante -, um bom livro traz ensinamentos sobre o mundo e sobre você mesmo - você não só aprende a ler melhor, como também aprende sobre a vida. Você fica mais sábio" (p. 342).

Se você aprendeu a perceber o prazer da leitura e todos os benefícios associados ao ato de ler, em algum momento deve ter se questionado sobre os seus métodos de leitura. Especialmente na leitura dos livros de não ficção. Por outro lado, caso não tenha se questionado espontaneamente, algum professor conhecido como exigente, ou até como "chato", pode ter dado uma força solicitando a leitura de um livro acompanhada de resenha crítica ou de resumo dos principais argumentos. 

Pois bem, isso aconteceu comigo... E após longas horas de leituras e releituras acabamos por questionar nossa capacidade intelectual. 



  • Desaprendi a ler ou nunca soube ler? 
  • Por que não consigo passar da introdução deste livro? 
  • Será que estou absolvendo o máximo do que o autor se propôs a dizer?

O fato é que poucas e raras escolas do ensino médio estimulam a leitura analítica e crítica. E quando chegamos na universidade nos deparamos com a necessidade de leitura analítica intensa de artigos científicos e livros teóricos e, exigências de resenhas e resumos críticos. Porém, o pior é quando se passa por uma graduação de nível superior e não há o estímulo da leitura analítica e crítica (como acontece na maioria das vezes).
"Um bom ensino médio liberal deve, no mínimo, produzir alunos que sejam competentes em leitura analítica. Uma boa faculdade deve, no mínimo, produzir alunos que sejam competentes em leitura sintóptica. A graduação em ensino superior deveria implicar que a pessoa já sabe ler qualquer tipo de assunto geral e que esteja apta a empreender pesquisas independentes em praticamente qualquer campo do conhecimento - pois é para isso que serve a leitura sintóptica, entre outras coisas. No entanto, é muito comum que somente após três ou quatro anos de pós-graduação o aluno consiga atingir esse nível de leitura - ou às vezes nem isso" (ADLER, 2010, p. 48).
Felizmente tive a oportunidade de ter um ótimo professor na universidade que, entre outras coisas, me influenciou a questionar sobre as formas de ler. Na época (2010) foi extremamente estressante e cansativo, mas hoje percebo o quanto foi benéfico para o meu amadurecimento. 




O tempo passou...até que em 2014, numa das visitas à livraria percebi o livro "Como Ler Livros: Guia Clássico para a Leitura Inteligente". Uma nova edição do livro originalmente escrito em 1940 nos Estados Unidos pelo filósofo, professor e teórico da educação Mortimer J. Adler (1902-2001).


Autores: Mortimer J. Adler e Charles Van Doren
Tradução: Edward Horst Wolff e Pedro Sette-Câmara
Prefácio: Nasser, José Monir
Coleção Educação Clássica
Editora: É Realizações
Formato: 18 x 25 cm
Número de Páginas: 432
ISBN: 978-85-88062-89-4Ano: 2010




Pode-se dizer que Adler, de fato, nos ensina a ler. Não a interpretar símbolos, juntando sílabas para formar palavras e criar frases. Isso já aprendemos. Antes, nos conduz à perceber um nível mais profundo de leitura. Uma verdadeira jornada de investigação em busca da compreensão da leitura. 
"O livro aborda os vários níveis de leitura e mostra como atingi-los - da leitura elementar à leitura rápida, passando pelo folheio sistemático e pela leitura inspecional. Aprende-se a classificar um livro, a 'radiografá-lo', a isolar a mensagem do autor, a criticar. Estudam-se as diferentes técnicas para ler livros práticos, leitura imaginativa, peças teatrais, poesia, história, ciências e matemática, filosofia e ciências sociais. Por fim, os autores oferecem uma lista de leituras recomendadas, bem como testes de leitura para que você possa medir seu progresso em compreensão, velocidade e capacidade de leitura" (contracapa).

Você, leitor desse post, deve estar pensando: mais um livro daqueles que formulam receitas...autoajuda?!? Não, também pensei isso no primeiro contato. Porém, ao inspecioná-lo, percebi que se tratava de algo sério. Logo constatei sua importância. Não é um livro que se lê apenas uma vez, é uma obra que se deve ler, anotar, marcar e sempre que necessário consultá-la. Pensando nisso, desde o início da leitura comecei a estruturar em resumo as ideias principais para que eu pudesse relembrar com maior facilidade. Compartilho abaixo as anotações que realizei sobre a leitura ativa, inspecional e analítica. 


Leitura Ativa

Adler nos alerta sobre a importância de fazer da leitura uma atividade ativa. Um constante diálogo mental com o autor em busca de compreender suas ideias.  Ele parte da ideia de que há uma desigualdade inicial de entendimento entre o autor e o leitor. Logo, deve haver um esforço para alcançar as ideias do autor.
"O autor deve ser 'superior' ao leitor em entendimento, no sentido de que seu livro deve ser capaz de transmitir de forma legível os insights que supostamente faltam ao leitor. [...] o leitor deve ser capaz de superar parcial ou totalmente essa desigualdade - quase nunca totalmente, mas sempre se aproximando da igualdade com o autor. Quanto mais próximo estiver da igualdade, tanto mais clara será a comunicação entre ambos" (p.31).
Ele elenca quatro perguntas básicas que constituem a essência da leitura ativa, recomenda-se que sejam respondidas durante o processo da leitura.


Pergunta
Destaque
Comentário
1. O livro fala sobre o quê?

Tentar descobrir o tema central do livro através da organização e da subdivisão dos temas e tópicos essenciais.


Início da busca pela ideia central do autor.

2. O que exatamente está sendo dito, e como?

Tentar descobrir as ideias, afirmações e argumentos principais.

Busca identificar como o autor desenvolve seu argumento.

3. O livro é verdadeiro, em todo ou em parte?

Quando você entende um livro, fica obrigado, caso esteja lendo com seriedade, a formar um juízo sobre ele.
A resposta dessa pergunta depende das duas anteriores.

Após compreender o que está sendo dito busca-se desenvolver um posicionamento crítico.

4. E daí?

Por que o autor acha que sua própria mensagem é importante?

Ela é importante para você?



Qual a contribuição do autor?
Adaptado de Adler (2010)


"Só podemos aprender com nossos 'superiores'. Temos de saber quem são eles e como aprender com eles. A pessoa que souber como aprender com eles terá dominado a arte de ler [...]" (p.31).

O livro apresenta 4 níveis de leitura: 
(i) Leitura Elementar, 
(ii) Leitura Inspecional, 
(iii) Leitura Analítica e 
(iv) Leitura Sintóptica.

A Leitura Elementar é a leitura inicial, ou básica. O  grande desafio é decodificar as palavras impressas no papel. Segundo Adler (2010), a maior parte das pessoas só desenvolvem os dois primeiros níveis de leitura: a (i) leitura elementar – adquirida desde o processo de alfabetização até o 9º ano; e a (ii) leitura inspecional – hábito que deve ser adquirido para inspecionar/sondar o livro. 


A Leitura Inspecional

“O objetivo principal é descobrir se o livro exigirá uma leitura mais dedicada, é um processo que ajudará a separar o joio do trigo, você saberá qual o conteúdo do livro e o tipo de livro que o autor escreve e talvez conclua que a sondagem é o bastante e que não há nada mais no livro que lhe interesse no momento. (p. 52)”.  
A seguir serão detalhadas as duas etapas da leitura inspecional. Com o passar do tempo, e a experiência, ela se tornará um hábito, uma etapa inicial em qualquer leitura.

Leitura Inspecional I – Pré-leitura ou sondagem sistemática

Durante a leitura inspecional o leitor deve estar alerta como um detetive em busca de pistas sobre os temas e ideias gerais do livro. Esta etapa da leitura permite compreender o contexto geral do livro, antes de decidir se aprofundar na leitura analítica. A sondagem sistemática antecipa a compreensão da estrutura do livro.

Tarefas
Comentários
1. Examine a folha de rosto e o prefácio
  •  Observar subtítulos; 
  • Buscar sinais que indiquem o escopo, objetivo ou ponto de vista do autor sobre o assunto;
  • Após essa etapa é possível ter boa noção do assunto.
2. Examine o sumário
  • Ele apresenta a estrutura geral do livro;
  • Use-o como mapa de viagem.
3. Consulte o índice remissivo
  • Procure termos chave de acordo com o tema do livro;
  • Os termos com várias referências, provavelmente, são os mais importantes;
  • Leia alguns trechos citados.
4. Leia a contracapa e a sobrecapa
  • Boa parte das contracapas e sobrecapas é escrita pelos próprios autores;
  • Alguns autores de se esforçam para resumir nas contracapas os pontos principais do livro.
5. Examine os capítulos que lhe pareçam centrais ao argumento do autor
  • Se esses capítulos contiverem pequenas sinopses no início ou final, leia-as com atenção.

6. Folheie o livro
  • Tente encontrar os trechos fundamentais;
  • Leia as duas ou três páginas finais ou o epílogo (livros expositivos).
Adaptado de Adler (2010)

Leitura Inspecional II – Leitura Superficial

Essa fase permite que não cometamos o erro de depositar esperança demais na primeira leitura de um livro difícil. A leitura superficial é o primeiro passo necessário para a interpretação do conteúdo do livro.
  • Ao encarar um livro difícil pela primeira vez, leia-o sem parar, isto é, leia-o sem se deter nos trechos mais espinhosos e sem refletir nos pontos que ainda permanecem incompreensíveis para você. (p. 55);
  • Se concentre nos parágrafos que consegue entender;
  • Você não será capaz de decifrar partes difíceis se apegando a elas;
  • Não se deter em notas de rodapé, comentários ou referências;
  • Deixar as fontes secundárias – como notas de rodapé e comentários – para uma segunda leitura.
  • O ideal não é apenas saber ler mais rápido, mas saber ler em diferentes velocidades (p. 58);
  • “Registros de movimentos ópticos mostram que os olhos das pessoas destreinadas “fixam-se” até cinco vezes no decorrer da leitura de uma linha. O olho que se movimenta torna-se cego; ele só é capaz de ver quando está parado” (p. 59);
  • "Nenhum livro deve ser lido mais lentamente do que merece, e nenhum livro deve ser lido mais rapidamente do que seu aproveitamento e compreensão exigirem" (p. 61). 

As perguntas a seguir poderão ser respondidas após a leitura inspecional, são as chamadas anotações estruturais:
  • Que tipo de livro é este?
  • O que ele diz, de modo geral?
  • Qual a ordem estrutural pela qual o autor desenvolve seus conceitos e entendimentos do assunto?

A leitura Analítica

A leitura analítica é o terceiro nível de leitura, através dela é possível se aprofundar e buscar a compreensão da essência das ideias do autor descritas no livro. Adler (2010) descreve a leitura analítica em 11 regras distribuídas em 3 partes: 
  1. Regras que buscam delinear a estrutura do livro e seu conteúdo;
  2. Regras que buscam a interpretação do conteúdo; 
  3. Regras para criticar o conteúdo. 
"Nesse nível, o leitor adquire o livro - a metáfora é bem apropriada - e imiscui-se nele até que o livro efetivamente lhe pertença. Francis Bacon dizia que "alguns livros devem ser degustados, outros devem ser engolidos, enquanto alguns poucos devem ser mastigados e digeridos". Ler um livro analiticamente significa mastigá-lo e digeri-lo" (p.40).
É possível sintetizar a leitura analítica respondendo as seguintes questões:
  • Do que trata o livro?
  • O livro, como um todo, é sobre o quê? Qual sua unidade? (Responder em poucas palavras);
  • Quais são as partes principais, e como elas estão ordenadas em relação ao todo? (Esboce essas partes em poucas palavras);
  • Quais as perguntas que o livro responde? 
  • Quais os problemas que o autor busca resolver?
  • Quais os termos (palavras ou conjunto de palavras) importantes do texto?
  • Identifique as frases mais importantes, o que elas propõem?
  • Localize (alguns parágrafos expressam argumentos importantes) ou, quando não for possível localizar, formule (a partir de frases de vários parágrafos) os argumentos básicos do texto;
  • Quais são as soluções do autor? (Ele conseguiu resolver o problema proposto? Caso não, justifique). 

Leitura Sintóptica

"Trata-se do tipo mais complexo e sistemático de leitura - é o nível mais exigente [...] implica a leitura de muitos livros, ordenando-os mutuamente em relação a um assunto sobre o qual todos versem" (p. 40).
Identifiquei esse tipo de leitura com aquela praticada no ambiente de pesquisa da pós-graduação (mestrado e doutorado), onde é necessária a leitura de diversos autores sobre um mesmo tema e com visões divergentes. E, a partir das leituras, realizar análises e estruturar um diálogo a partir do que já foi escrito, e assim construir novos conhecimentos fundamentados no que já foi dito.  


Esse livro já seria excelente caso se limitasse a esclarecer os níveis de leitura e mostrar ao leitor como alcançá-lo. No entanto vai além: indica como ler diversos assuntos, elenca 137 livros "cuja leitura vale a pena" e disponibiliza exercícios e testes para os quatro níveis de leitura.

ps.
Referência: ADLER, Mortimer J. ; DOREN, Charles Van. Como ler livros: o guia clássico para a leitura inteligente. São Paulo: É Realizações, 2010.
- Ainda não estruturei um resumo sobre a leitura sintóptica. Assim que o fizer atualizarei esse post.

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